A edição do jornal “Correio Paulistano” que foi para as bancas em 24 de agosto de 1952 contou com uma entrevista com Amácio Mazzaropi, que naquele ano fazia sua estreia no cinema com os filmes “Sai da Frente” e “Nadando em Dinheiro”.
Esta entrevista é um dos poucos registros onde o ator conversa como o homem que havia por trás do personagem caipira, e nela vemos um homem culto com muitas vontades e sonhos. Nesta época, Mazzaropi via sua carreira decolar de vez. Leia abaixo:
“Como se sabe, o conhecido cômico tornou-se célebre do rádio e na televisão. Dotado de uma facilidade enorme para se comunicar com o povo, possuindo uma personalidade marcante no terreno artístico mais difícil da arte cênica, que é a comedia, Mazzaropi abriu caminho graças ao seu pronto talento e à sua própria fantasia, de que tem dado prova nos exaustivos programas televisionados que apresenta todas as semanas na TV 3.
No cinema, onde estreou pela mão de Abilio Pereira de Almeida, em “Sai da Frente”, conseguiu Mazzaropi alcançar extraordinário êxito. E tão grande foram os resultados, que o próprio Abilio, estimulado pela (produtora) Vera Cruz, resolveu fazer um novo filme com Mazzaropi. E assim surgiu “Nadando em Dinheiro”, continuação de “Sai da Frente”, comédia em que vamos encontrar não apenas o cômico, mas Ludy Veloso, A. C. Camargo e outros elementos que apareceram na primeira película.”
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS NO CINEMA
“Toda experiência é proveitosa e, em arte, é uma fonte de inspiração. Minha experiência cinematográfica foi, portanto, uma esplêndida coisa que me aconteceu. Creio que o cinema oferece perspectivas ilimitadas e, por isso mesmo, dignas de serem tentadas” – assim respondeu Mazzaropi à primeira pergunta de nossa entrevista.
SOBRE O SUCESSO DO FILME “SAI DA FRENTE”
“Sinto-me realmente feliz por ter contribuído com minha parte para o êxito de “Sai da Frente”. Tenho a convicção de que o filme, pelo seu estilo, colaborou decisivamente para a criação de um “tipo” no cinema. Meu sonho seria levar esse tipo às últimas consequências da boa comedia, esse tipo entre filosofo e caipira, que compõe a psicologia de Isidoro”.
COMÉDIA OU DRAMA?
“Entre a comédia e o drama – prosseguiu Mazzaropi – o público prefere a primeira; rir, e não chorar. Para chorar bastam os sofrimentos e as aperturas da vida. Por isso, os indivíduos procuram ser felizes, ou pelo menos, procuram rir. O papel do cômico, sob esse aspecto, é quase que o de um terapeuta e a sua missão é, indiscutivelmente, de grande alcance social. Ajudar o próximo a ser feliz é, sem dúvida, um dos mais belos escopos que pode almejar um “cômico” e alcançar este objetivo é o maior prêmio que se lhe poderia dar.”
O CINEMA NO BRASIL
“No dia em que o Brasil produzir filmes como os outros países (filmes bons, naturalmente), terá atingido a sua maioridade cultural. A maioridade artística já atingimos, penso eu. Mas o nível de nosso desenvolvimento, o grau de nossa civilização, isto será dado pelo cinema, que é sem dúvida o espelho do mundo. E é o filme, também, a diplomacia do futuro, aquela que melhor e mais firmemente nos aproximar dos outros povos. Isto sem falar no que o filme representa como indústria lucrativa na economia nacional. Não posso deixar de assinalar a importância da Vera Cruz na obtenção deste objetivo. Graças à essa empresa, atualmente o cinema nacional é um fato inconteste, tão importante como o petróleo. E como o petróleo, já indispensável na vida moderna”.
CÔMICOS NO CINEMA – AS INFLUÊNCIAS DE MAZZAROPI
“Dos atores cômicos estrangeiros, prefiro Charles Chaplin, esse gigante do riso. Foi Chaplin quem fez o mundo rir, mostrando através de suas películas audaciosas e corajosas pelo tema, o sofrimento universal. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, Chaplin, ou melhor Carlitos, longe de cair no pessimismo, foi sempre o arauto de um mundo e de um futuro melhor. Otimista quanto ao futuro, impiedoso na sua crítica, tinha que realizar esse “Monsier Verdoux”, que é a maior sátira e a maior crítica que o cinema de todos os tempos já fez. Quanto ao nacional, meu cômico preferido é Grande Otelo, que possui talento até debaixo d’água, sempre confirmou o conceito que dele fazemos.”
SATISFEITO COM O DIRETOR
“Experiência com outro diretor? Para que? Estou satisfeito com Abilio Pereira de Almeida, de quem sou amigo do peito. E acho que só poderei lucrar, artisticamente, como protagonista de histórias que Abilio vai dirigir proximamente. Nós dois nos entendemos muito bem. Por isso, não vejo razão para tentar uma experiência, pelo menos por enquanto”
TELEVISÃO X CINEMA
Sobre a luta entre a televisão e o cinema, assim se expressou o nosso entrevistado:
“Não é propriamente uma luta. Nem mesmo a concorrência pode desculpar o palpite dos técnicos e dos peritos. O cinema talvez se tenha ressentido, parcialmente, no inicio da televisão – falo dos Estados Unidos – com a concorrência, digamos, “doméstica”, da TV. Mas, atualmente, nem mesmo lá, qualquer dos dois prejudica o outro. Com a experiência verificou-se que tanto o cinema, como a televisão, podem viver lado a lado, sem bancar “cachorro e gato”, apesar das diferenças artísticas entre ambos serem tão grandes como as que existem entre os aludidos animais. Mas, que fossem gato e cachorro, há muitos gatos e cachorros que vivem às mil maravilhas. Eu mesmo, que aliás nem por isso me considero gato ou cachorro, vivo com ambos, cinema e televisão, e nunca briguei comigo mesmo no sonho daquele cidadão que sonhou que era dois cachorros que se odiavam.”
O ROTEIRO QUE GOSTARIA DE VIVER NA TELA
Continuando, e a propósito da história que gostaria de viver na tela, disse Mazzaropi:
“Sinceramente, essa que fiz, em “Nadando em Dinheiro”. Mesmo no cinema, é bom a gente nadar de vez em quando em dinheiro. E já que estou dando a minha preferência sobre a história, não é preciso dizer que me senti sumamente satisfeito de trabalhar novamente ao lado dos atores de “Sai da Frente”. Aliás, nós já formamos uma grande família. Somos todos amigos. E tanto a “mulher”, como “Isidoro”, entram para o rol das figuras cíclicas. Eu e Ludy Veloso seremos sempre o casal feliz de todos os filmes. Feliz, mesmo as broncas que a Maria dá no Isidoro.”
SOBRE A PRODUTORA VERA CRUZ
“Não entendo de indústrias – disse Mazzaropi – mas quem quer que tenha bom senso, sabe que ninguém monta uma fábrica para produzir conservas e fica esperando que a conserva cresça no terreno ao lado. Indústria, subentende-se produção. A Vera Cruz tem um parque técnico, tem estúdios, tem uma produção planificada. Enfim, é uma organização no mais alto sentido da palavra. E cinema sem ser industria é mera aventura. Por isso, considero a Vera Cruz como a coluna mestre do cinema nacional. E é nesse sentido que não posso esquecer o esforço e a capacidade organizativa desse homem de cinema que é Franco Zampari.”
8X1: O DECRETO DO SUPREMO SOBRE CINEMA NACIONAL
“Acho que tudo quanto venha beneficiar o cinema nacional é digno de nossos aplausos. Por isso mesmo, merece o apoio dos brasileiros, principalmente de técnicos e artistas que trabalham na industria cinematográfica. Sou favorável ao decreto de oito a um (oito filmes estrangeiros e um nacional), e considero essa uma das melhores e das mais decisivas medidas de proteção ao incipiente cinema nacional. Está de parabéns o governo.”
Texto de Luiz Giovannini. Jornal O Correio Paulistano, 24 de agosto de 1952.
SERVIÇO
O Museu Mazzaropi fica em Taubaté/SP no endereço:
Estrada Amácio Mazzaropi, 249 – Itaim
Telefone: (12) 3634-3447
Horários: terça a domingo, das 8h30 às 12h30. Fechado às segundas-feiras.