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Mazzaropi e o cinema caipira

Revista Rio Festival; p. 12; 23 de novembro de 1984

Wilson Tosta

“Meu nome é Amácio Mazzaropi, e não Amâncio. Nasci ali na rua Vitorino Camilo, número cinco, em 1912, e fui batisado na Igreja de Santa Cecília. Meu pai era italiano e minha mão filha de portugueses. Comecei a trabalhar cedo, fazendo papel de caipira, que estava na moda. Genésio Arruda e seu irmão, Sebastião Arruda, estavam no auge e eu procurei fazer o mesmo, principalmente imitando o Sebastião, que me parecia mais pacato. Para falar a verdade, comecei de brincadeira. Gostaram, bateram palmas. Gostei, fui continuando. É isso a minha profissão: sou caipira. Primeiro no teatro, durante muito tempo. Depois fui para no rádio. Afinal, um belo dia veio a televisão, e lá fui eu.”

A definição que o ator, diretor e produtor paulista Amácio Amadeu Mazzaropi fez de si mesmo, alguns anos antes de sua morte, não é suficiente para entender seu lugar no cinema brasileiro. Ele não mencionou os 32 filmes que fez depois que trocou a televisão pelo cinema, em 1950, na maioria deles no papel do Jeca, protótipo do homem do interior rural do Brasil, de calças remendadas, camisa xadrez abotoada até o pescoço, fala arrastada e cheia de sotaque. Em sua curta autobiografia, Mazzaropi esqueceu-se também de dizer que seus filmes foram recordistas absolutos nas bilheterias brasileiras, nos anos 60 e 70.

Amácio Mazzaropi nasceu no tradicional gueto dos imigrantes italianos na capital de São Paulo, no bairro da Barra Funda, e desde cedo sonhava ser artista. Apesar desta admiração pela vida artística, principalmente pelos circos, e dos dotes de pintor e desenhista que logo revelou, Mazzaropi só pôde estudar até o ginásio. O seu início na carreira viria aos 14 anos, como ajudante de faquir Ferris, especialista em comer cacos de vidro. Nos intervalos em que Ferris descansava entre uma refeição e outra, o garoto magro, que falsificara sua idade para 18 anos para poder trabalhar, contava piadas. Assim viajaram pelo país durante algum tempo, até que Mazzaropi fundou o Teatro de Emergência, que estreou em 1940 em Jundiaí, interior paulista. Pouco depois, procurado pela mãe Ana Clara e pelo pai Bernardo, montou com eles a Troupe Mazzaropi, um teatro ambulante de repertório fixo. Já nesta época, ele fazia o Jeca, e acabou contratado pela Rádio Tupi para o programa caipira de humor Rancho Alegre, de onde passou para a TV Tupi, no início dos anos 50. Ele ainda manteve sua vinculação ao rádio durante alguns anos, mas acabou no cinema.

Ainda em 1950, Mazzaropi foi contratado por Abílio Pereira de Almeida e Tom Payne, da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, por Cr$ 25 mil mensais e Cr$ 60 mil de gratificação anual, uma fortuna para a época. Assim nasceu Sai da Frente, seu primeiro sucesso no cinema, lançado em 1951. O papel de Mazzaropi, é claro, já era o do Jeca, que encheu os cinemas com multidões para ver seu jeito desengonçado de andar e seus modos simplórios. No ano seguinte, a Vera Cruz lançou Nadando em Dinheiro, onde Mazzaropi trocava o papel de caipira pobre pelo de milionário. O fracasso de público convenceu-o a manter-se nas telas como Jeca. Foi o que fez em Candinho, em 1953, seu último filme na Vera Cruz.

Depois de uma rápida passagem pela Brasa Filmes (O Gato de Madame, em 1954, e A Carrocinha, em 1955) e pelo Rio de Janeiro, a convite de Oswaldo Massaini (Fuzileiro do Amor, em 1955, Noivo da Girafa e Chico Fumaça, em 1956), Mazzaropi fundou a Produções Amácio Mazzaropi – PAM Filmes, em 1958. Seu primeiro trabalho na PAM, agora como produtor, roteirista e diretor, além de ator, foi Chofer de Praça. Para produzí-lo, Mazzaropi vendeu tudo o que tinha, e teve de fazer shows em circos do interior para sobreviver. Mas o sucesso do filme foi grande, a PAM cresceu e produziu seus 24 filmes nos anos seguintes até 1980, quando lançou seu último trabalho, pouco antes da morte: Jeca e a Égua Milagrosa. A maioria dos filmes de Mazzaropi eram comédias muito populares,como Uma Pistola para Djeca, paródia aos western spaghetti em moda na época (1969) que bateu todos os recordes de bilheteria no Brasil e levou a Embrafilme a premiá-lo. Mazzaropi já era, então, um homem rico.

O sucesso financeiro e de público, porém, não lhe garantiram boas relações com os críticos de cinema. Apesar de inicialmente comparado a Chaplin e Cantinflas, ele acabou atacado como “falso caipira” e não vacilou em responder que falsa era a idéia que a crítica tinha do caipira. Mas Mazzaropi também tinha admiradores entre os intelectuais, como o professor Paulo Emílio Salles Gomes, considerado o mais importante teórico do Cinema Novo. “Ele atinge o fundo arcaico da sociedade brasileira em cada um de nós”, afirmou o professor, depois de assistir a Um Caipira em Bariloche. No entanto, ele sempre negou-se a relacionar o seu Jeca com o Jeca Tatu de Monteiro Lobato.

O reconhecimento popular nunca faltou. Mazzaropi virou lema de samba-enredo em São Paulo, Mazzaropi, sua Arte, sua Glória. E em 14 de junho de 1981, dia seguinte à sua morte, mais de 5 mil pessoas seguiram seu enterro em Pindamonhangaba, São Paulo, até o cemitério onde seu pai estava enterrado. O veterano comediante, que dizia que “o artista tem que ser um bom comerciante”, foi sepultado enquanto a multidão cantava a música-tema de um de seus filmes mais queridos: Tristezas do Jeca.